Hey, mas foi só uma ilusão perfeita mesmo? Gaga e seu novo "JOANNE"

sexta-feira, outubro 28, 2016

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A tarefa mais difícil de um artista talvez seja impor seu estilo ou dizer seus propósitos ao público. É algo necessário, não? Você divulga antes de lançar e, inevitavelmente, precisa dizer o que está fazendo. E convenhamos, não é sempre que dá certo uma mudança de estilo. O retorno financeiro ,infelizmente, conta e acaba travando qualquer possibilidade artística out of the box. Sem contar os haters gratuitos de vida vazia que rolam pela rede. Resultado? Prisão. Prisão criativa. Somado de uma pressão incrível de se superar sempre. Algo perigoso.

Lady Gaga simplesmente conseguiu reverter milagrosamente todo esse quadro de clausura pós-ARTPOP, lançando mão de uma carreira até então super mainstream/pop/jovem para se aventurar em outras áreas como o jazz (“Cheek to Cheek”) e a atuação (“American Horror Story: Hotel”), que espetacularmente acabaram dando muito certo.lady-gaga-blog-header

“Joanne” surge no momento certo. Ele não é apenas mais um exercício de procura por novas influências. Ela não está saturada e sem saber pra onde ir. Não! Quem é fã de verdade vai reconhecer muito da fase “Red and Blue” antes da fama, momento em que ela já tocava em pequenos bares e pôde agora ter o mesmo gostinho na Dive Bar Tour em parceria com a cerveja americana Bud Light.

Seu quinto trabalho de estúdio (se considerarmos The Fame Monster apenas um EP de The Fame) “Joanne” tem o nome de sua tia, irmã de seu pai, que faleceu muito jovem e deixou uma carga dramática enorme em sua família. Gaga já contou em várias entrevistas a existência de um vínculo com ela mesmo não a tendo nunca conhecido. Joanne morreu por lúpus, uma doença degenerativa que também acomete a cantora. A segunda explicação: este é seu nome do meio. Então, pela lógica, a artista consegue expor seu “meio”, sua essência, aquela sem ser rebelde e sem ser certinha. Apenas seu centro. Seu equilíbrio.

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Indiscutivelmente mais adulto e intimista, a nova era trouxe influências explícitas do country (talvez em sua maioria), funk (o norte-americano, não o brasileiro, em “Dancin’ In Circles”), folk, um pouco rock (“Perfect Illusion” que assustou a muitos Little Monsters de início) e mesmo a pop (“Diamond Heart”). É uma tracklist acima de tudo hamoniosa e coerente quando ouvida sem interrupções. Suas canções direcionam o ouvinte mais nostálgico pra um tempo em que os ritmos eram outros. Eram mais marcantes, melodiosos. Já ouviu aquela expressão “não se fazem mais músicas como antigamente?”. Pois é. Ela fez. (Ouça, por exemplo, Hey Girl — com a participação de Florence Welch). Aqui não somos expostos a apenas efeitos sintéticos pra dançar na balada. Aqui há piano, há uma voz crua que soa como se cantasse ao seu lado, há uma vibe mais acústica (“Million Reasons”), há saxofone (qual personalidade jovem e mais conhecida da indústria musical de hoje tem a audácia de usar sax em suas composições? Qual foi a última vez que você ouviu isso?). Acima de tudo há um intenso sentimento na forma de contar todas essas histórias.

Impossível não embargar a voz ao ler com atenção a letra que dá nome ao CD. Nela, Gaga pede que Joanne pegue em sua mão e fique em vez de ir para o céu. “Cada pedacinho de meu coração machucado precisa mais de você do que os anjos”. Acaba por contar que, no final das contas, ambas sabem que se fosse possível ficar, ela ficaria.

NASHVILLE, TN - OCTOBER 05: Songwriter Hillary Lindsey and Lady Gaga perform during the Bud Light X Lady Gaga Dive Bar Tour at The 5 Spot on October 5, 2016 in Nashville, Tennessee. (Photo by Rick Diamond/Getty Images for Bud Light)

E “Angel Down”? A canção que retoma a linha triste de suas antecessoras, como “Brown Eyes”, “Speechless”, “Yoü and I” e “Dope”. Ela foi feita em homenagem a Trayvon Martin, um jovem negro de 17 anos assassinado por um policial.

Percebe como ela te convida pra se sentar ali na frente e diz: “hey, essa é minha vida, minha bagagem, o que eu vi e me afetou, minhas histórias, meus pensamentos”. Além disso, ela ainda tem o grande triunfo de poder questionar o motivo das pessoas botarem pra baixo umas às outras, de erguerem o dedo pra dizer como cada uma tem que viver sua vida (“Come To Mama”), ou até mesmo de afirmar: “aqui está a minha oração de pecadora e eu sou o que eu sou” (na country “Sinner’s Prayer”).

Sem dúvida, “Joanne” é um divisor de águas na carreira de Lady Gaga. É inerente que álbuns mais dançantes virão pela frente, já que isso também faz parte de sua personalidade, mas seu projeto atual foi o único até então capaz de estabelecer um portfólio mais consolidado de compositora e intérprete. É a partir de “Joanne” que as pessoas no futuro vão poder dizer “olha, foi alí que a gente teve certeza do que ela era mesmo capaz”. Gaga já afirmou que foi esse o trabalho que a fez ter ânimo pra continuar. Bom… e só por isso nós já ficamos felizes e tiramos o chapéu (country e rosa, no caso).

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